quinta-feira, 8 de outubro de 2009

CONVERSAS

MORFINO: Por que entrevistas?
REIFF: É um jeito que eu encontrei de explorar o sabor coloquial do diálogo, o frescor da conversa. Eu sempre adorei programas de entrevistas.

MORFINO: Até que ponto o artista vê a realidade ou vê a sua própria realidade projetada?

REIFF: Eu viajo muito. Quando caio em mim sempre caio no lugar errado.
Já vivi muito a condição de "corpo presente" (faz as aspas com os dedos). Mas hoje a minha viagem tem sido sobre coisas que vejo e não tanto sobre as que simplesmente imagino.
Tenho sido mais observador. Mas acho que como o olhar eu jogo meu pó de pirlimpimpim.


MORFINO: Me parece que o bom entrevistador, ou âncora de talk show, deve ter um senso de presença quase budista, para brincar com o frescor da conversa. O que faz um bom talk show?
REIFF: Gosto muito de programas de entrevistas, especialmente quando o entrevistador é um bom conversador. O cara precisa gostar de ouvir. Senão não dá jogo. Não dá liga.

MORFINO: Por que Papo Costurado?
REIFF: Eu procuro costurar as minhas idéias, antes que elas voem. (risos)

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

O HUMOR E O JAZZ

MORFINO: Woody Allen toca semanalmente seu clarinete numa banda de jazz. Luis Fernando Veríssimo toca sax. Tem feito até uns shows com os irmãos Caruso. Qual a relação que você vê entre o humor inteligente e o jazz?

REIFF: O jazz é inteligente porque não se apóia em coisas requentadas, assim como o humor inteligente. Eu acho que o jazz é um estado de espírito libertário, que acolhe a diversidade, e que traz o frescor da improvisação. Eu penso que em ambas as coisas se busca sair do óbvio.

MORFINO: Freud dizia que o humor promove a "economia psíquica", fazendo com que a psiqué estabeleça associações inusitadas, encurtando os tortuosos caminhos defensivos da mente. Assim, o humor teria uma função terapêutica, tanto quanto o sonho. Em outras palavras, o humor reduziria as resistências imposta pelo superego, permitindo que a energia psíquica encontre mais facilmente seus próprios caminhos. O jazz também teria uma função assim?

REIFF: O jazz está muito associado à improvisação, que se contrapõe às formas rígidas e acabadas. Eu não tenho dúvida de que a música, mais livre, proporciona algumas respostas emocionais interessantes para quem faz e para quem ouve. A sinergia entre os músicos também cria experiências mágicas. Acho que a própria vida disponibiliza esse encantamento, quando estamos perfeitamente sintonizados com o que está rolando, sem julgamentos e avaliações. Deixando o ego de lado, nós experimentamos um tipo de transcendência. O humor e o jazz, por proporcinarem um estado de fluência, produzem uma extraordinária resposta terapêutica, especialmente para os neuróticos e os reprimidos, como são boa parte desses humoristas que trabalham com o humor inteligente, entre os quais eu modestamente me incluo.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

MINIMAL

MORFINO: Você disse que a sua arte está na busca da simplicidade. Você não corre o risco de ser superficial?
REIFF: Acho a simplicidade uma coisa paradoxalmente profunda. A simplicidade mexe com arquétipos. Diz muitas coisas nas entrellinhas. Coisas que, lá no fundo, a gente já sabe. Despir a arte de todos os ruídos desnecessários é o que me inspira. Até porque eu acho que isso muda a maneira de vermos a própria vida.

MORFINO: Como?
REIFF: Quando eu falo menos, dou espaço pro outro ouvir a sua própria voz, que, em última instância, é o que ele precisa ouvir. Quanto menos elementos eu dou, mais a imaginação do observador se encaixa. A função última da arte é fazer com que cada um ouça o próprio coração.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

AS FACES DO HUMOR

MORFINO: O humor tem infinitas caras. Existe um denominador comum entre elas?
REIFF: O humor tem a função de nos deixar menos anestesiados. Ele quebra paradigmas. Portando o humor é um instrumento de evolução espiritual. Ele areja as nossas percepções a ponto de nos fazer voar.
O humor nos deixa mais imaginativos. Mais criativos. Mais perceptivos. Mais afetivos. De que mais nós precisamos?

MORFINO: Você não acha que tem uma visão muito romantizada, poética, a respetio do humor?
REIFF: Pra mim, o humor e a poesia são coisas muito próximas e nos permitem driblar o fisiologismo da mente, que usa sofisticados mecanismos para que não percebamos a farsa que é a sua existência. O humor e a poesia nos fazem trancender a nossa tacanha visão da realidade. E certamente nos deixam mais sábios.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

SUCESSO

MORFINO: O tema do nosso papo hoje é o preço do sucesso. Não seria o sucesso mais massacrante do que tudo que se tem que fazer pra chegar lá?

REIFF: Não sei, porque não cheguei lá. A propósito, onde é esse "lá"?

MORFINO: Aquele lugar onde se olha no espelho e diz: "e agora, José?"

REIFF: Eu me pergunto isso o tempo todo. Me encanto é com a inquietação da jornada. Acho perfeito aquele poema "Ítaca", do Konstantinos Kavafis, que começa dizendo "Se partires um dia rumo a Ítaca,faz votos de que o caminho seja longo,repleto de aventuras, repleto de saber." O lugar a chegar, a meu ver, é um lugar interior. Se os aspectos pueris do sucesso nos distraem, roubando a atenção que deveríamos dar ao que nos diz nossa alma, eles devem ser cuidadosamente deixados de lado. Sucesso é poder pagar as contas fazendo aquilo que o coração manda.

MORFINO: O sucesso reconhece o que é bom?

REIFF: Nem sempre. Muitas vezes dá-se o nome de sucesso a uma trama orquestrada por jogos de interesses. Embora eu ache que o que é bom, mais cedo ou mais tarde, sempre será reconhecido. E quem chega num lugar de simbiose com a arte não está preocupado com os louros, que sempre serão menos gratificantes do que a própria experiência artística.

MORFINO: Mas as oportunidades para o artista, em termos de patrocínio, por exemplo, dependem de um reconhecimento público, ao qual damos o nome de sucesso. Assim o sucesso não passa a ser importante para a própria produção artística?


REIFF: Eu acho que cada artista tem o público que merece. Na medida em que um fazer artístico vai se depurando, vai se refinando, ele é capaz de penetrar no espírito das pessoas, iluminando-as também.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

SOBRE A FELICIDADE

MORFINO: Você se diz um cara feliz, num mundo em que as pessoas parecem cada vez mais infelizes. Você não tem medo do olho gordo?
REIFF: Até tenho. Mas eu não seria infeliz só pra não sofrer a sua influência. Além do que eu acho que felicidade é uma coisa que passa. E acho que felicidade é uma coisa profundamente simples, apesar de ser uma coisa profundamente sofisticada.

MORFINO:Então qual é a fórmula da felicidade?
REIFF: Cada um tem a sua fórmula. Pra mim é fazer o que o meu coração manda. É ser verdadeiro consigo mesmo. O que é mal é que a gente raramente pára pra realmente se ouvir.

MORFINO: E você pára?
REIFF: Agora eu consigo perceber melhor os ciclos da vida. Continuar num ciclo que já passou traz uma enorme infelicidade. A felicidade é um estado natural das coisas.
Quando eu brigo menos com as coisas, elas brigam menos comigo. Sei lá. Tudo tem a sua razão de ser. Se a gente pensar com o coração, vai entender.

MORFINO: E o que é pensar com o coração?
REIFF: É deixar a intuição falar um pouco. E imaginar que tudo nos acontece por um bom propósito e na hora certa. Isso dá um relaxamento pra gente encarar com mais presença as coisas que acontecem. Eu procuro passar pouco tempo lamentando. Não foi, não era pra ser. Pronto.

MORFINO: Isso parece sabedoria popular.
REIFF: E é. Na sua simplicidade, o povo é sábio. Sabedoria não tem nada a ver com erudição. Tem a ver com o coração. E tem a ver com o que lá no fundo todos nós já sabemos. É por isso que eu gosto dos ditados populares. Eles nos lembram daquilo que nós já sabemos.

sábado, 9 de maio de 2009

CADA UM COM SEU CADA QUAL

Morfino encontra Márcio Reiff em sua varanda. O entrevistador recaptula alguns pontos que gostaria de tocar durante a entrevista e liga o gravador:
MORFINO: O que vem antes, o artista ou sua arte?
REIFF: Caceta...Ambos vêm juntos. Mas não me pergunte por quê.

MORFINO: Você acha que a arte pode ser uma pulsão, uma força de propulsão, uma labareda que incendeia o espírito do artista?
REIFF: Caceta...Amarra o homem! (risos) Eu acho que sim. Quando eu sinto vontade de dizer alguma coisa eu sinto que essa coisa é muito maior do que eu. E essa percepção é minha religião. Eu, artista, sou um serviçal. Tenho que andar pelas ruas, ver as coisas, prestar atenção nas conversas que movem o mundo. Mas a arte é uma energia sábia, que passa por tudo isso e dá um sentido. Que nos dá algum tipo de insight.

MORFINO: Você acha que a arte seria uma energia do inconsciente coletivo de Jung?
REIFF: Pode ser. Tem aquela estória de que a gente "somos antenas". E acho que somos mesmo. Todos. Em maior ou menor grau. Mas quando a gente vai reduzindo a nossa identidade, vai rolando um espaço pra fluir o coletivo, que é muito rico. Temos a oportunidade de beber de bilhões de vidas conectadas. Olha o repertório que estamos ganhando. E cada um vai achando o seu cada qual, os seus cada quais.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

A VIDA ESCANCARADA

MORFINO: A tecnologia deixa as pessoas mais expostas. O olhar do "Grande Irmão" está em toda parte. Ao mesmo tempo, parece haver um especial interesse das pessoas nessa exposição. Como um observador atento da realidade, que justificativa você dá pra esse fenômeno?
REIFF: Vejo que a privacidade das pessoas vai ficando cada vez mais reduzida. A qualquer momento você poder ser flagrado por uma câmera digital e uma fatia da sua vida ser exposta no youtube. Veja aquele caso da Daniela Cicarelli, flagrada namorando numa praia lá da conchinchina. Todos nós viramos virtuais paparazzis.
Por outro lado, a exposição desenfreada corresponde a outros interesses humanos, como o de afirmação, de inclusão e de reconhecimento. Mas eu penso que a tecnologia tem contribuído para que os seres humanos repensem a forma de lidar com a verdade, com a imagem e com a imaginação.

MORFINO: A seu ver, onde reside a força dos reality shows?
REIFF: Devem havem muitas variáveis interferindo para que se tenha esse resultado. Pra começar, a presença de pessoas "normais" na mídia subverte a clássica visão de que a mídia era reservada às pessoas importantes, como artistas, políticos etcétera e tal. Agora, pessoas normais também podem ganhar projeção e fama. O público se sente identificado e vive essa relação de forma mais viceral. Por outro lado, pelo menos em tese, o produto dito "real" sugere uma coisa mais suja, menos editada, e portanto mais saborosa, uma vez que as percepções ficam menos pasteurizadas.
No fundo a gente sabe que os reality shows oferecem percepções igualmente manipuladas, atendendo a objetivos impostos pela necessidade de audiência.
Acho que o youtube tem aberto um espaço representativo para o espetáculo da realidade. Acho que ele também tem uma importância pedagógica, ensinando a humanidade a olhar com mais atenção pra coisas que a vida disponibiliza no backstage da mídia tradicional, e que são muito interessantes. Também acho que as pessoas estão meio cansadas daquela abordagem "fake" das coisas, ditada puramente por interesses mercadológicos. Todo mundo anda mais ligado na transparência, na verdade, nessa coisa empática que é a realidade.

MORFINO: E o que é a realidade?
REIFF: Realidade é aquilo que a nossa percepção nos dá, a percepção de cada um, em um determinado momento. A realidade é um conceito quântico, totalmente virtual. Acredito que o que faça realmente a diferença é aquilo que o espectador acredite ser a realidade. Entendendo algo como real, sua relação com o "show" fica mais empática, a transferência mais fluida. Penso que a tal "realidade" tenha uma especial força catártica.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

VIDA INTELIGENTE

MORFINO: É sua a frase "Existe vida inteligente no planeta, a gente só precisa saber onde está." Depois você lançou um site o qual você autoproclama de "humor inteligente". Onde está a inteligência?
REIFF: Existe vida inteligente no planeta e a cada dia eu me surpreendo com isso. Ando muito feliz com uma repentina tomada de consciência nas mais diversas áreas. Não sei se é por conta do mundo se falar mais. Ou é por conta dessa perturbação toda no clima. Pela derrocada dos modelos tradicionais. Está rolando um despertar geral.
Gente fazendo coleta seletiva. Meu filho de 3 anos um dia me disse "Não gasta água da torneira, papai."
Inteligente é aquilo que foge do óbvio, de tão óbvio.

MORFINO: Inteligência pra você seria um sinônimo de consicência ecológica?
REIFF: Não só. Inteligência é respeitar as particularidades de cada questão. Mecanizar é criar estereótipos. Viver inteligentemente é valorizar as diferenças.
Vejo pessoas simples fazendo arte de excelente qualidade. A internet tem dado uma extraordinária contribuição pra essa visão holística do mundo. A gente vê de tudo. E nem precisa viajar pelo mundo afora, como se fazia antigamente.


MORFINO: E como é um "humor inteligente"?
REIFF: É algo que não é oferecido pronto, acabado. Não segue um modelão. Não é feito em série. Pret a porter. Ele não prescinde do leitor para o resultado final. Uns riem, outros nem sabem que era pra rir. Não tem nada escancarado. Não tem truques, formulinhas. Tem o frescor da vida. E é por isso que pode encantar, antes do que fazer rir.

O MULTIFACETADO OLHAR DIGITAL

MORFINO: Dizem que o homem vive uma falsa sensação de proximidade, trocando a vida presencial pela tela do computador. A internet nos faz melhores ou piores?
REIFF: Depende. É possível que privilegie o contato virtual, em detrimento de um abraço, que é tão gostoso, por exemplo. Mas eu acho que de uma forma geral nós estamos mais próximos. Temos informações dos nossos amigos o tempo todo, ainda que não falemos com eles. Fazemos amizades que nunca faríamos, a não ser pelo intermédio da rede. Eu acho que me tornei um ser humano melhor com a rede. Pra começo de conversa, o ser humano só é feliz fazendo o que efetivamente gosta. E muito antes que eu pudesse levar o humor para os palcos, eu me realizava blogando, encontrando a minha tribo. Eu sou suspreito pra falar da internet, porque ela me fascina.

MORFINO: Em algum sentido específico ela nos faz piores?
REIFF: Quando perdemos um tempo precioso fazendo triagem de informações úteis num mar de informações inúteis. Espero que o futuro nos reserve caixas de e-mails menos cheias de spams, por exemplo.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

INTERNET

MORFINO: A internet tem ocupado cada vez mais espaço na vida da gente. Como você vê a internet e as transformações sociais?
REIFF: Acho que todas as nossas percepções de mundo foram alteradas. Mudou a nossa nossa maneira de pensar e de existir. Cada pequena conquista da rede, desde o começo, teve um sabor e um significado especial pra cada um de nós...Eu me lembro que quando a internet surgiu, uma imagem levava um tempão pra ser baixada. E vinha linha por linha, como uma máquina de tecer. Na tela do computador, a mulher ia ficando nua aos pouquinhos. Tinha o sabor de um streep tease. Hoje o sabor é o de baixar várias mulheres ao mesmo tempo. É o sabor de uma suruba (risos).

MORFINO: Pra você o grande apelo da internet é sexual?
REIFF: Diversas estatísticas já mostraram que uma extraordinária maioria dos internautas navegam pelo interesse sexual. Até porque tudo na vida, no fundo, tem um interesse sexual, segundo Freud. Mas eu não posso deixar de dizer que me encantei quando descobri que não precisava mais comprar revistas de mulher pelada.
Embora a porta de entrada de muitos na rede possa ter sido o sexo, aos poucos as pessoas vão sendo seduzidas por outras coisas. Eu me deixei seduzir pelos textos, pelo compartilhamento de idéias, pelas oportunidades de expressão e de exposição de talentos, pelos vídeos. O Youtube trouxe vem concretizando o velho sonho de democratização da mídia, onde os jogos de interesses não possam mais filtrar o que deve ser consumido. Cada um agora pode consumir o que quiser. E se um trabalho for bom, certamente encontrará sua tribo.

MORFINO: Como foi e tem sido a sua relação com a internet?
REIFF: Eu era um garoto quando participei da criação de uma das primeiras BBS. Eu fazia o texto dos folhetos de divulgação. A BBS, pra nós, foi a primeira noção de rede. Eram apenas muitos computadores ligados a um provedor, por telefone. Isso pra mim já era o máximo: compartilhamento de informações online. Quando surgiu o blog, eu descobri duas coisas extraordinárias: primeiro, a custo zero eu poderia ser o editor e o redator das minhas idéias; segundo: com elas eu encontraria minha tribo.
Mas blogar pra mim ajudou a encontrar a minha linguagem e a identificar o que é que eu queria dizer. No começo, eu fazia um boteco virtual. Tinham personagens. As pessoas deixavam mensagens que eu transformava em estórias que se passavam nesse boteco virtual. Hoje eu faço textos curtos. Rápidos como a rede. Mas com algum tipo de força. Pra mexer com os outros, antes esses textos têm que mexer comigo.

MORFINO:Você também usa o podcast como mídia?
REIFF:Já usei muito. Enquanto ensaiava pra tomar coragem de subir no palco, resolvi das vida aos meus textos em episódios em audio. Foi um exercício muito interessante. Criei programetes de rádio, com duração média de um minuto, cada vez falando de um tema diferente. Fiz uma vinheta de abertura, que também era trilha incidental, além de uma vinheta de fechamento. O canal se chamava O Morfino, brincando com a idéia de Humor Fino e, ao mesmo tempo, se apropriando desse tom meio marginal que a palavra nos dá. Também publiquei alguns episódios com metalinguagem, explorando o canal direito e o esquerdo do audio, buscando sugerir um diálogo interno na cabeça do autor, que também seria sugestivo na cabeça do ouvinte.
Hoje tenho publicado pouca coisa em podcast. Mas me interessa experimentar fazer programas de bate-papo, reunindo pessoas interessantes. Sempre gostei muito desse modelo, embora as boas referências não sejam muitas.

MORFINO: Essa diversidade de linguagens você também explora nos seus vídeos no Youtube. Existe um afunilamento ou uma constante expansão nas possibilidades de linguagens?
REIFF: Existem as duas coisas. Há um afunilamento no sentido de que vou sabendo o que é que eu gosto mais de fazer. Por outro lado, não perco a oportunidade de experimentar novas linguagens, porque posso me surpreender com os resultados.
Eu tenho vídeos como comediante stand-up que têm 250.000 visitas. São vídeos que eu não gosto muito. Acho que fui ousado ao publicá-los na época. Mas mantenho por valor histórico. Ainda não vejo o vídeo como o melhor aproveitamento da comédia stand-up, embora tenha vídeos ótimos no gênero. Achei que o mesmo olhar do comediante poderia ser trazido para o vídeo de uma outra forma, considerando que não há uma platéia, a dispersividade de um bar, a sensação de improvisação, enfim...Na televisão a linguagem merece ser adaptada. Investiguei algo mais orgânico, fazendo entrevistas. Fiz vídeos mais coloquiais, explorando apenas o meu olhar como observador sobre questões cotidianas. Estudei uma linguagem diferenciada, mais pontuada, menos naturalista, na composição dos vídeos da série Idéias no Chuveiro. Estou sempre investigando. Gosto de ouvir feedback das pessoas. Também acho o máximo ver coisas que estão sendo feitas por aí. De repente todos nós ficamos com aqueles olhos de mosca, multifacetados.

MORFINO: Você sugere que a maior contribuição da internet seja essa multiplicidade de visões que a gente pode ter sobre as coisas?
REIFF: Não sei se é a maior. É uma das grandes. A cultura dos hiperlinks trouxe a possibilidade das pessoas navegarem pelas informações, porque a necessidade de cada um de nós é diferente. A busca pela informação deixou de ser um processo unívoco para ser biunívoco. Você constrói a informação junto com a fonte. Isso altera muito a forma do homem pensar. Começamos a entender que podemos cortar os excessos e ficar só com o que é essencial para nós.

domingo, 29 de março de 2009

ANJO TORTO

MORFINO: Você disse no seu blog "O que não interessa é arte feita com pressa". Você elabora muito cada coisa que faz, antes de publicar?
REIFF: Já fiz muito isso. Mas hoje eu acredito em algo como uma arte em processo, um work in progress, algo beta, como se diz na web. Se é texto, volto no texto, mudo uma palavra, ou junto frases de textos diferentes que podem ficar melhor juntas...A era digital nos permite essa mobilidade. Eu acho que já publiquei muita coisa ruim. Repaginei. Ou deletei. Hoje eu sinto que as coisas saem mais rápido. Eu consigo ver mais claramente o que falta. E sinto que o meu texto já vem com um sentido de urgência.

MORFINO: O que é um texto com sentido de urgência?
REIFF: Imagine um sentimento que pulsa em você e deseja virar texto. Quando vira, sai pronto. Tem a sua própria semântica, tem a sua própria inteligência. Eu me encanto com alguams frases que me vêm prontas na cabeça, como se um anjo torto as soprasse em meus ouvidos.
Até desconfio que essas coisas não saiam mesmo de mim. E quem sou eu pra mudar a vida que está ali? Eu me descubro. Eu me vomito desde a alma, e me descubro no que vejo.

quarta-feira, 25 de março de 2009

HUMOR E ZEN BUDISMO

MORFINO: Um dia você disse que pensou em ser um monge budista, mas desistiu porque "era silêncio demais". Como é que você resgata essa sua afirmação no trabalho de humor que você faz hoje?
REIFF: Eu acho que estou cada vez mais zen, e essa é a maior fonte de humor que eu conheço. Para vermos o humor, é importante estarmos disponíveis, perceptivos, presentes. E o budismo filosófico propõe exatamente isso. Eu sinto uma necessidade de falar sobre essas coisas que vejo e que me encantam. Não dá pra guardar só pra mim.

MORFINO: O que você acha que acontece quando você expõe essas percepções artisticamente?
REIFF: Eu disponibilizo novas maneiras de olhar, inspirando as pessoas a também abandonarem suas percepções requentadas e tediosas sobre a vida. E cada um que passa a olhar as coisas de forma mais sensível, integrada, perceptiva, acaba contribuindo para um enriquecimento da vida coletiva. O nosso mal é que nos apegamos a modelos que deixam a vida muito chata. E o pior é que não nos damos conta desses modelos.

MORFINO: Dê um exemplo.
REIFF: Eu acabei de escrever um texto sobre o budismo que me pareceu muito inspirado. Talvez tenha sido uma das melhores coisas que eu tenha escrito nos últimos tempos. Mas, como num passe de mágica, deu um erro na tela e eu não consegui salvar nada. Senti uma profunda sensação de perda, de abandono, de impotência. E poderia ter ficado com esse olhar. Mas me apropriei da experiência para fazer com que o texto ganhasse vida em mim, e passei a escrever uma coisa totalmente nova sobre o mesmo assunto. Resultado: ganhei duas percepções. Somos mágicos em criar percepções. Ou em identificá-las neste vasto mar de percepções, "nunca dantes navegado".

segunda-feira, 23 de março de 2009

FAZER O QUE GOSTA

MORFINO: Eu me lembro de ter visto uma entrevista sua onde você se dizia suficientemente feliz por fazer o que gosta. A felicidade esté em se fazer o que gosta?
REIFF: A minha está. Quando eu estou fazendo arte, eu me sinto como se estivesse tateando Deus. É algo mágico. Sinto que se a pulsão artísitica passasse por mim e deixasse o rastro de uma estranha certeza. Um tipo de compreensão sobre as coisas.
A arte é a minha religião.

MORFINO: E o que é que você chama de arte?
REIFF: É algo que nos tira da razão, que faz de mim um servo do inconsciente coletivo. E que faz de mim um desmiolado (risos). Eu não consigo resistir às suas pulsões. À sua incandescência. Me sinto tomado. Entregue. Tudo o que eu tenho a fazer é deixar que ela ganhe vida fora de mim, que ganhe o seu merecido espaço, que é muito maior do que eu.

MORFINO: Então a felicidade não é simplesmente se fazer o que gosta, mas fazer arte?
REIFF: Eu desconfio de que quando alguém está fazendo algo em que realmente acredite, está fazendo algum tipo de arte. Acho que a felicidade é essa coisa da gente não resistir. Deixar os influxos da vida darem a nossa destinação.

domingo, 22 de março de 2009

O TEMPO CERTO

MORFINO: Você vive dizendo que cada coisa acontece no tempo certo. Isso não é uma boa desculpa pra não agilizar?
REIFF: Que perguntinha capciosa...O que é agilizar? Eu não agilizo muito uma visão comercial do que eu faço. Mas agilizo muito um aprofundamento artístico. A gente pode agilizar as coisas de outras formas, fazendo um trabalho mais centrado, mais apaixonado, mais consistente. Estou o tempo todo agilizando possibilidades de me descobrir no que faço, de descobrir o quanto do outro existe em mim...descobrir o que é que eu quero dizer a cada momento...e por que quero dizer alguma coisa... Coisas consistentes demoram mais pra acontecer, mas acontecem por mais tempo.

MORFINO: O que é uma coisa consistente em termos de arte?
REIFF: Pra mim, consistente é uma arte que seja viceralmente verdadeira. Uma experiência individual tão acachapante, tão dolorida, tão extasiante, que dela brote uma arte viva, e que dessa arte brote vida, em estado vulcânico.

MORFINO: Você se sente cobrado por resultados?
REIFF: Só pela minha ex-mulher (risos). Eu já sou feliz em fazer o que chamo de arte. E é isso que me nutre, me inspira, me inflama, me enche de vida. Acho que quando se vive nesse estado de paixão, todos os valores mudam.

MORFINO: O que é que você está fazendo?
REIFF: Estou buscando uma arte simples e atômica. Uma coisa minimal, que fale muito para o pouco tempo que temos.

terça-feira, 3 de março de 2009

O BOM É TER PERGUNTAS

MORFINO: Você sempre diz que acabou de encontrar uma resposta para um pergunta. Você vive atrás de respostas?
REIFF: Não, eu estou sempre atrás de perguntas? Eu tenho um filho de 3 anos puxou o pai: faz perguntas o tempo inteiro. Mas às vezes me vem à mente uma resposta inteirinha, pra uma pergunta que nem eu mesmo fiz. Aí eu penso: se eu criar uma pergunta pra essa resposta, vai parecer que eu sou inteligentíssimo. Ou muito inspirado. Porque quando a gente mais precisa das respostas na vida, elas sempre vêm depois. Na hora, fica aquele vazio. Aquela sensação de orfandade.

MORFINO: Como se o pai sempre tivesse as resposta?
REIFF: Talvez. Eu nunca esperava que meu pai não tivesse uma resposta pra alguma coisa. E se não tinha, ele inventava. Acho que arquétipo do pai traz um pouco dessa responsabilidade. A gente tem que saber. Mas o gostoso mesmo é perguntar. Por isso eu gosto das crianças.

MORFINO: A criança inventa respostas pra tudo também.
REIFF: Também. Elas têm uma extraordinária capacidade de fluir. De viajar. A gente vai perdendo isso com a vida, e a vida vai ficando chata, sem graça. Porque o bom mesmo é brincar. Eu quero poder me divertir cada vez mais com tudo que eu faço. Porque quando eu me divirto eu disponibilizo essa diversão pros outros. E como artista, eu me sinto na responsa de dar uma resposta à altura da consciência que eu ganhei. E essa consciência me diz que só perguntas fazem a coisa fluir.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

CRIATIVIDADE

MORFINO: Você acha que a excassez de recursos inspira a criatividade?
REIFF: Totalmente. Na época de estudante, eu morava em república e a gente cozinhava com o que tinha em casa. Não tem farinha de trigo, vamos ver o que rola se botarmos a de mandioca. Não tem vinho branco, vamos colocar um pouco desse vinagre branco. Acabavam surgindo soluções surpreendentemente interessantes.
Quem tem tudo na mão não descobre novas possibilidades. Usa as que tem. Errar é sempre um bom jeito de descobrir novas soluções. Descobri enquadramentos inusitados de câmera filmando a mim mesmo com câmera digital. Se eu tivesse pudesse acompanhar o enquadramento, talvez tivesse dado soluções mais óbvias. Quando menos recursos dispomos, mas criativos nos tornamos.

MORFINO: Eu estaria certo dizendo que a criatividade tem a ver com a disponibilidade.
REIFF: Eu nunca tinha pensado nessa correlação, mas ela é muito boa. A gente tem que ter um olhar desapegado sobre tudo. Recursos não faltam. Falta a nossa predisposição em encontrá-los.

sábado, 24 de janeiro de 2009

TRABALHO DE GRUPO

ALTEREGO: Você prefere trabalhar sozinho ou trabalhar em grupo?
REIFF: Depende. Eu sempre trabalhei muito sozinho porque sou movido pela ansiedade. Quero ver coisas acontecerem e não tenho recursos. Mas também às vezes eu quero ter uma coisa mais elaborada, antes de submeter a um processo grupal. Mas o fato é que eu tenho cada vez mais sentido necessidade de trabalhar em grupo. Em grupo, as idéias crescem e a gente também.

ALTEREGO: Você já trabalhou em grupo?
REIFF:Sim, mas em momentos que eu não tinha essa consciência sobre a mágica do trabalho em grupo. Sempre fui muito viajandão, o que atrapalhava muito o trabalho em equipe. Mas tenho cada vez mais descoberto esse prazer que é viajar na viagem do outro. Apreciando a diversidade a gente flui, se enriquece e se renova o tempo todo.


ALTEREGO: Uma vez você disse que trabalhava sozinho porque a arte tem um sentido de urgência. Como é se equalizar do timing de um grupo.
REIFF: Tudo é uma questão troca. Perde-se um pouco no timing, mas ganha-se na maturação. A gente perde o controle para descobrir que existem coisas muito interessantes além daquilo que a gente julgava ideal. Gosto de meter as caras nas mais diversas áreas que envolvem uma elaboração artística, mas pretendo cada vez mais trabalhar ao lado de especialistas, com quem eu tenha identificação. Um grupo afinado dá uma outra dimensão a qualquer proposta. Acho muito bom quando a gênese do conteúdo traz a contribuição de técnicos e profissionais que normalmente são pensados como operacionalizadores apenas. Hoje em dia ninguém mais quer só apertar parafuso. Todo mundo quer fazer da sua atividade uma forma de auto-expressão e de transcendência.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

ENCONTROS

ALTEREGO: Por que entrevistas?
REIFF: Porque sou um apaixonado por entevistas, por talk show. Quando menino, varava noites assistindo ao Comando da Madrugada, com o Goulart de Andrade. Gosto de entrar na intimidade das vidas, degustar todo o sabor que existe ali. Também me apaixonei pelos diálogos do Campbell com Bill Moyers, na série O Poder do Mito. Gosto de diálogos, de conversas, dos roteiros de sitcom. Gostava de ver Letterman, Jay Leno, Provocações, Saia Justa...
Além disso, quando se dá uma entrevista, se para pra pensar. Quando a gente para, as idéias nos alcançam.

ALTEREGO: Qual a correlação que você vê entre as entrevistas e um roteiro de sitcom?
REIFF: Uma boa entrevista é um bom texto. Um texto construído a dois. Tem um movimento, uma fluência, tem vida. O bom texto de sitcom também. Ambos nos deixam apaixonados pela vida dos outros. E isso tem um valor mágico. É quase uma meditação budista.

ALTEREGO: Você faz terapia?
REIFF: Sim. Toda vez que escrevo (risos). Já fiz muita terapia. Hoje eu escrevo. Quando escrevo uma frase e apago correndo, vejo o meu superego como poucos terapeutas me fizeram enxergar. Eu digo que quando eu escrevo eu me vomito desde a alma e me descubro no que vejo.