domingo, 29 de março de 2009

ANJO TORTO

MORFINO: Você disse no seu blog "O que não interessa é arte feita com pressa". Você elabora muito cada coisa que faz, antes de publicar?
REIFF: Já fiz muito isso. Mas hoje eu acredito em algo como uma arte em processo, um work in progress, algo beta, como se diz na web. Se é texto, volto no texto, mudo uma palavra, ou junto frases de textos diferentes que podem ficar melhor juntas...A era digital nos permite essa mobilidade. Eu acho que já publiquei muita coisa ruim. Repaginei. Ou deletei. Hoje eu sinto que as coisas saem mais rápido. Eu consigo ver mais claramente o que falta. E sinto que o meu texto já vem com um sentido de urgência.

MORFINO: O que é um texto com sentido de urgência?
REIFF: Imagine um sentimento que pulsa em você e deseja virar texto. Quando vira, sai pronto. Tem a sua própria semântica, tem a sua própria inteligência. Eu me encanto com alguams frases que me vêm prontas na cabeça, como se um anjo torto as soprasse em meus ouvidos.
Até desconfio que essas coisas não saiam mesmo de mim. E quem sou eu pra mudar a vida que está ali? Eu me descubro. Eu me vomito desde a alma, e me descubro no que vejo.

quarta-feira, 25 de março de 2009

HUMOR E ZEN BUDISMO

MORFINO: Um dia você disse que pensou em ser um monge budista, mas desistiu porque "era silêncio demais". Como é que você resgata essa sua afirmação no trabalho de humor que você faz hoje?
REIFF: Eu acho que estou cada vez mais zen, e essa é a maior fonte de humor que eu conheço. Para vermos o humor, é importante estarmos disponíveis, perceptivos, presentes. E o budismo filosófico propõe exatamente isso. Eu sinto uma necessidade de falar sobre essas coisas que vejo e que me encantam. Não dá pra guardar só pra mim.

MORFINO: O que você acha que acontece quando você expõe essas percepções artisticamente?
REIFF: Eu disponibilizo novas maneiras de olhar, inspirando as pessoas a também abandonarem suas percepções requentadas e tediosas sobre a vida. E cada um que passa a olhar as coisas de forma mais sensível, integrada, perceptiva, acaba contribuindo para um enriquecimento da vida coletiva. O nosso mal é que nos apegamos a modelos que deixam a vida muito chata. E o pior é que não nos damos conta desses modelos.

MORFINO: Dê um exemplo.
REIFF: Eu acabei de escrever um texto sobre o budismo que me pareceu muito inspirado. Talvez tenha sido uma das melhores coisas que eu tenha escrito nos últimos tempos. Mas, como num passe de mágica, deu um erro na tela e eu não consegui salvar nada. Senti uma profunda sensação de perda, de abandono, de impotência. E poderia ter ficado com esse olhar. Mas me apropriei da experiência para fazer com que o texto ganhasse vida em mim, e passei a escrever uma coisa totalmente nova sobre o mesmo assunto. Resultado: ganhei duas percepções. Somos mágicos em criar percepções. Ou em identificá-las neste vasto mar de percepções, "nunca dantes navegado".

segunda-feira, 23 de março de 2009

FAZER O QUE GOSTA

MORFINO: Eu me lembro de ter visto uma entrevista sua onde você se dizia suficientemente feliz por fazer o que gosta. A felicidade esté em se fazer o que gosta?
REIFF: A minha está. Quando eu estou fazendo arte, eu me sinto como se estivesse tateando Deus. É algo mágico. Sinto que se a pulsão artísitica passasse por mim e deixasse o rastro de uma estranha certeza. Um tipo de compreensão sobre as coisas.
A arte é a minha religião.

MORFINO: E o que é que você chama de arte?
REIFF: É algo que nos tira da razão, que faz de mim um servo do inconsciente coletivo. E que faz de mim um desmiolado (risos). Eu não consigo resistir às suas pulsões. À sua incandescência. Me sinto tomado. Entregue. Tudo o que eu tenho a fazer é deixar que ela ganhe vida fora de mim, que ganhe o seu merecido espaço, que é muito maior do que eu.

MORFINO: Então a felicidade não é simplesmente se fazer o que gosta, mas fazer arte?
REIFF: Eu desconfio de que quando alguém está fazendo algo em que realmente acredite, está fazendo algum tipo de arte. Acho que a felicidade é essa coisa da gente não resistir. Deixar os influxos da vida darem a nossa destinação.

domingo, 22 de março de 2009

O TEMPO CERTO

MORFINO: Você vive dizendo que cada coisa acontece no tempo certo. Isso não é uma boa desculpa pra não agilizar?
REIFF: Que perguntinha capciosa...O que é agilizar? Eu não agilizo muito uma visão comercial do que eu faço. Mas agilizo muito um aprofundamento artístico. A gente pode agilizar as coisas de outras formas, fazendo um trabalho mais centrado, mais apaixonado, mais consistente. Estou o tempo todo agilizando possibilidades de me descobrir no que faço, de descobrir o quanto do outro existe em mim...descobrir o que é que eu quero dizer a cada momento...e por que quero dizer alguma coisa... Coisas consistentes demoram mais pra acontecer, mas acontecem por mais tempo.

MORFINO: O que é uma coisa consistente em termos de arte?
REIFF: Pra mim, consistente é uma arte que seja viceralmente verdadeira. Uma experiência individual tão acachapante, tão dolorida, tão extasiante, que dela brote uma arte viva, e que dessa arte brote vida, em estado vulcânico.

MORFINO: Você se sente cobrado por resultados?
REIFF: Só pela minha ex-mulher (risos). Eu já sou feliz em fazer o que chamo de arte. E é isso que me nutre, me inspira, me inflama, me enche de vida. Acho que quando se vive nesse estado de paixão, todos os valores mudam.

MORFINO: O que é que você está fazendo?
REIFF: Estou buscando uma arte simples e atômica. Uma coisa minimal, que fale muito para o pouco tempo que temos.

terça-feira, 3 de março de 2009

O BOM É TER PERGUNTAS

MORFINO: Você sempre diz que acabou de encontrar uma resposta para um pergunta. Você vive atrás de respostas?
REIFF: Não, eu estou sempre atrás de perguntas? Eu tenho um filho de 3 anos puxou o pai: faz perguntas o tempo inteiro. Mas às vezes me vem à mente uma resposta inteirinha, pra uma pergunta que nem eu mesmo fiz. Aí eu penso: se eu criar uma pergunta pra essa resposta, vai parecer que eu sou inteligentíssimo. Ou muito inspirado. Porque quando a gente mais precisa das respostas na vida, elas sempre vêm depois. Na hora, fica aquele vazio. Aquela sensação de orfandade.

MORFINO: Como se o pai sempre tivesse as resposta?
REIFF: Talvez. Eu nunca esperava que meu pai não tivesse uma resposta pra alguma coisa. E se não tinha, ele inventava. Acho que arquétipo do pai traz um pouco dessa responsabilidade. A gente tem que saber. Mas o gostoso mesmo é perguntar. Por isso eu gosto das crianças.

MORFINO: A criança inventa respostas pra tudo também.
REIFF: Também. Elas têm uma extraordinária capacidade de fluir. De viajar. A gente vai perdendo isso com a vida, e a vida vai ficando chata, sem graça. Porque o bom mesmo é brincar. Eu quero poder me divertir cada vez mais com tudo que eu faço. Porque quando eu me divirto eu disponibilizo essa diversão pros outros. E como artista, eu me sinto na responsa de dar uma resposta à altura da consciência que eu ganhei. E essa consciência me diz que só perguntas fazem a coisa fluir.