quinta-feira, 28 de maio de 2009

SUCESSO

MORFINO: O tema do nosso papo hoje é o preço do sucesso. Não seria o sucesso mais massacrante do que tudo que se tem que fazer pra chegar lá?

REIFF: Não sei, porque não cheguei lá. A propósito, onde é esse "lá"?

MORFINO: Aquele lugar onde se olha no espelho e diz: "e agora, José?"

REIFF: Eu me pergunto isso o tempo todo. Me encanto é com a inquietação da jornada. Acho perfeito aquele poema "Ítaca", do Konstantinos Kavafis, que começa dizendo "Se partires um dia rumo a Ítaca,faz votos de que o caminho seja longo,repleto de aventuras, repleto de saber." O lugar a chegar, a meu ver, é um lugar interior. Se os aspectos pueris do sucesso nos distraem, roubando a atenção que deveríamos dar ao que nos diz nossa alma, eles devem ser cuidadosamente deixados de lado. Sucesso é poder pagar as contas fazendo aquilo que o coração manda.

MORFINO: O sucesso reconhece o que é bom?

REIFF: Nem sempre. Muitas vezes dá-se o nome de sucesso a uma trama orquestrada por jogos de interesses. Embora eu ache que o que é bom, mais cedo ou mais tarde, sempre será reconhecido. E quem chega num lugar de simbiose com a arte não está preocupado com os louros, que sempre serão menos gratificantes do que a própria experiência artística.

MORFINO: Mas as oportunidades para o artista, em termos de patrocínio, por exemplo, dependem de um reconhecimento público, ao qual damos o nome de sucesso. Assim o sucesso não passa a ser importante para a própria produção artística?


REIFF: Eu acho que cada artista tem o público que merece. Na medida em que um fazer artístico vai se depurando, vai se refinando, ele é capaz de penetrar no espírito das pessoas, iluminando-as também.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

SOBRE A FELICIDADE

MORFINO: Você se diz um cara feliz, num mundo em que as pessoas parecem cada vez mais infelizes. Você não tem medo do olho gordo?
REIFF: Até tenho. Mas eu não seria infeliz só pra não sofrer a sua influência. Além do que eu acho que felicidade é uma coisa que passa. E acho que felicidade é uma coisa profundamente simples, apesar de ser uma coisa profundamente sofisticada.

MORFINO:Então qual é a fórmula da felicidade?
REIFF: Cada um tem a sua fórmula. Pra mim é fazer o que o meu coração manda. É ser verdadeiro consigo mesmo. O que é mal é que a gente raramente pára pra realmente se ouvir.

MORFINO: E você pára?
REIFF: Agora eu consigo perceber melhor os ciclos da vida. Continuar num ciclo que já passou traz uma enorme infelicidade. A felicidade é um estado natural das coisas.
Quando eu brigo menos com as coisas, elas brigam menos comigo. Sei lá. Tudo tem a sua razão de ser. Se a gente pensar com o coração, vai entender.

MORFINO: E o que é pensar com o coração?
REIFF: É deixar a intuição falar um pouco. E imaginar que tudo nos acontece por um bom propósito e na hora certa. Isso dá um relaxamento pra gente encarar com mais presença as coisas que acontecem. Eu procuro passar pouco tempo lamentando. Não foi, não era pra ser. Pronto.

MORFINO: Isso parece sabedoria popular.
REIFF: E é. Na sua simplicidade, o povo é sábio. Sabedoria não tem nada a ver com erudição. Tem a ver com o coração. E tem a ver com o que lá no fundo todos nós já sabemos. É por isso que eu gosto dos ditados populares. Eles nos lembram daquilo que nós já sabemos.

sábado, 9 de maio de 2009

CADA UM COM SEU CADA QUAL

Morfino encontra Márcio Reiff em sua varanda. O entrevistador recaptula alguns pontos que gostaria de tocar durante a entrevista e liga o gravador:
MORFINO: O que vem antes, o artista ou sua arte?
REIFF: Caceta...Ambos vêm juntos. Mas não me pergunte por quê.

MORFINO: Você acha que a arte pode ser uma pulsão, uma força de propulsão, uma labareda que incendeia o espírito do artista?
REIFF: Caceta...Amarra o homem! (risos) Eu acho que sim. Quando eu sinto vontade de dizer alguma coisa eu sinto que essa coisa é muito maior do que eu. E essa percepção é minha religião. Eu, artista, sou um serviçal. Tenho que andar pelas ruas, ver as coisas, prestar atenção nas conversas que movem o mundo. Mas a arte é uma energia sábia, que passa por tudo isso e dá um sentido. Que nos dá algum tipo de insight.

MORFINO: Você acha que a arte seria uma energia do inconsciente coletivo de Jung?
REIFF: Pode ser. Tem aquela estória de que a gente "somos antenas". E acho que somos mesmo. Todos. Em maior ou menor grau. Mas quando a gente vai reduzindo a nossa identidade, vai rolando um espaço pra fluir o coletivo, que é muito rico. Temos a oportunidade de beber de bilhões de vidas conectadas. Olha o repertório que estamos ganhando. E cada um vai achando o seu cada qual, os seus cada quais.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

A VIDA ESCANCARADA

MORFINO: A tecnologia deixa as pessoas mais expostas. O olhar do "Grande Irmão" está em toda parte. Ao mesmo tempo, parece haver um especial interesse das pessoas nessa exposição. Como um observador atento da realidade, que justificativa você dá pra esse fenômeno?
REIFF: Vejo que a privacidade das pessoas vai ficando cada vez mais reduzida. A qualquer momento você poder ser flagrado por uma câmera digital e uma fatia da sua vida ser exposta no youtube. Veja aquele caso da Daniela Cicarelli, flagrada namorando numa praia lá da conchinchina. Todos nós viramos virtuais paparazzis.
Por outro lado, a exposição desenfreada corresponde a outros interesses humanos, como o de afirmação, de inclusão e de reconhecimento. Mas eu penso que a tecnologia tem contribuído para que os seres humanos repensem a forma de lidar com a verdade, com a imagem e com a imaginação.

MORFINO: A seu ver, onde reside a força dos reality shows?
REIFF: Devem havem muitas variáveis interferindo para que se tenha esse resultado. Pra começar, a presença de pessoas "normais" na mídia subverte a clássica visão de que a mídia era reservada às pessoas importantes, como artistas, políticos etcétera e tal. Agora, pessoas normais também podem ganhar projeção e fama. O público se sente identificado e vive essa relação de forma mais viceral. Por outro lado, pelo menos em tese, o produto dito "real" sugere uma coisa mais suja, menos editada, e portanto mais saborosa, uma vez que as percepções ficam menos pasteurizadas.
No fundo a gente sabe que os reality shows oferecem percepções igualmente manipuladas, atendendo a objetivos impostos pela necessidade de audiência.
Acho que o youtube tem aberto um espaço representativo para o espetáculo da realidade. Acho que ele também tem uma importância pedagógica, ensinando a humanidade a olhar com mais atenção pra coisas que a vida disponibiliza no backstage da mídia tradicional, e que são muito interessantes. Também acho que as pessoas estão meio cansadas daquela abordagem "fake" das coisas, ditada puramente por interesses mercadológicos. Todo mundo anda mais ligado na transparência, na verdade, nessa coisa empática que é a realidade.

MORFINO: E o que é a realidade?
REIFF: Realidade é aquilo que a nossa percepção nos dá, a percepção de cada um, em um determinado momento. A realidade é um conceito quântico, totalmente virtual. Acredito que o que faça realmente a diferença é aquilo que o espectador acredite ser a realidade. Entendendo algo como real, sua relação com o "show" fica mais empática, a transferência mais fluida. Penso que a tal "realidade" tenha uma especial força catártica.