sexta-feira, 31 de outubro de 2008

ESCREVENDO CERTO POR LINHAS TORTAS

ALTEREGO: Você uma vez me disse que a sua maior paixão é escrever. Isso continua uma verdade?
REIFF: Não lembro de ter dito, mas se disse foi bem dito. A minha grande paixão é escrever, nas suas mais diversas acepções. Estar na frente do computador escrevendo é um vício. E eu quero viver cada vez mais desse vício.

ALTEREGO: Mas você também já disse que escreve com o olhar...
REIFF: Escrevo. Porque o escrever é um tipo de edição que a gente faz da vida, como um filme. Acho que eu estou cumprindo o meu papel de escritor quando viajo numa estória que vejo. Eu sou um voyeur. Me delicio com tudo que vejo.

ALTEREGO: Como leitor, você prefere o quê?
REIFF: Sempre fui muito dispersivo. Começava a ler um romance e quando ia voltar a ele não lembrava mais nada. Me habituei a ler crónicas, quando pequeno. Sempre gostei muito da linguagem poética, da forma trazendo um conteúdo. Eu passava a ver o mundo com os olhos do escritor. Coisas triviais sempre se transformavam em pratos saborosos. Acho que foram os cronistas que me ensinaram a degustar as cenas cotidianas.

ALTEREGO:Você tem se proclamado humorista. A sua ficção é necessariamente de humor?
REIFF: Ih, rapaz, essa é uma questão crucial. Eu digo que sou humorista porque as pessoas precisam que eu diga alguma coisa. Eu gostaria de dizer que sou escritor, mas nunca escrevi livro nenhum. Uma parte de mim diria que essa resposta seria muito presunçosa. Um dia eu quero viver mais de escrever. E quero logo poder dizer que sou escritor. Ou melhor: quero não precisar dizer que sou alguma coisa.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

ARTES, RELIGIÕES E BLÁS

ALTEREGO: Quando começou a sua paixão pela arte?
REIFF: Eu faço arte desde pequeno. Só que hoje eu ganho mais do que puxões de orelha.
Arte é qualquer coisa que me sensibiliza e me convida a recriar percepções. A função imediata da arte é satisfazer uma necessidade do artista em dar à luz. Quando o artista bota algo no mundo, ele se descobre naquilo que criou.

ALTEREGO: Você vê uma função mística na arte?
REIFF: Embora a arte não seja feita com esse propósito, ela é permeada de consciência, que gera lucidez, que gera aceitação, que gera compaixão, que gera amor.
Quando uma obra de arte nos fala ao coração, ela nos abre para a percepção do outro. Estar presente para a viagem do outro é que nos tira da nossa viagem, da nossa mente, do nosso ego. A arte proporciona experiências muito próximas ao Zen Budismo.

ALTEREGO: Você é religioso?
REIFF: Já estudei muito a religiosidade humana. Sou apaixonado pelo trabalho do Campbell, explorando o mito. A religião é um acervo mitológico. E todos os mitos são derivações de arquétipos. Assim, todas as religiões são iguais em sua essência arquetípica. Em outras palavras, a água pode virar gelo nos mais diversos formatos. Uma vez derretida a forma, tudo é água.

ALTEREGO: Mas você já esteve ligado ao Zen Budismo, como mencionou?
REIFF: O zen budismo é a corrente filosófica do budismo. Ela não é mágica. É racional, portanto é passível de experimentação. Observando as percepções tão diferentes das pessoas sobre as coisas, percebo que a minha verdade é relativa. Percebo que a minha mente experimenta idéias, com as quais me identifico. A importância que normalmente damos ao Ego vai se corroendo, o que nos permite, aí sim, viver a experiência mágica da unidade, da fluência. Como sempre gostei de filosofia, acabo puxando a sardinha pro Zen Budismo, pro Taoismo, pro trabalho do Osho. Gosto dessa coisa experimental, proporcionada pela Meditação Transcendental, pelo Yoga, pelo T'ai Chi Chuan...Eu não tenho que acreditar em Deus, mas se eu me deixar fluir, vou acabar sentindo Deus, ou melhor, a consciência da unidade.

ALTEREGO: O que é essa tal consciência da unidade?
REIFF: É aquela questão da água que vira gelo. Quando a gente se vê derreter - e isso às vezes dói, veja o caso das bolsas - a gente começa a voltar à essência. E começa a se sentir ligado a tudo que está a nossa volta. É um tipo de compaixão, de disponibilidade, de presença. As coisas começam a te importar. A tal ponto que você se vê fluindo. O lado mágico acaba aparecendo naturalmente. Você pensa em alguém, a pessoa liga. Você precisa de recursos, eles aparecem. O medo da morte vai ficando cada vez menor. Morte é só um reflexo da ilusão de separatividade. Quando você já se percebe fluindo, a morte também é fluência.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

A BUSCA COMO FIM

ALTEREGO: Onde você quer chegar?
REIFF: Não sei. Eu sei onde eu não quero chegar. Já é alguma coisa. É como descascar uma cebola infinita. A gente vai tirando camada e vem outra, e outra. De repente, o grande barato é esse mesmo. A natureza não quer chegar em lugar nenhum. Só quer continuar existindo.

ALTEREGO: Você é engajado em causas ecológicas?
REIFF: Depende. Eu não faço parte do Green Peace e de nenhuma ONG relacionada à preservação ambiental. Mas eu vislumbro relações mais ecológicas em tudo. Relações mais generosas e fluidas entre as pessoas, que certamente inspirarão relações mais ecológicas com a natureza. Acho que o que falta é um pouco de poesia, de humor, de aceitação.

ALTEREGO: O humor não é exatamente a não aceitação?
REIFF: Sim e não, como diria o Celso Lafer que foi meu professor, do que eu me orgulho muito, porque suas aulas de filosofia me ajudaram a entender o mundo de um jeito mais elegante. Bem, o humor é sempre uma quebra de paradigmas, um "pensamento lateral", que também é a origem da criatividade e de muitas outras coisas. No sentido de ousadia para se ter um olhar diferenciado, o humor expressa a não aceitação. Mas o humor também é a possibilidade de aceitação de tudo que vem, fugindo ao tradicional, ao esperado. Casa percepção nova que se tem sobre as coisas nos faz intuir que o universo é pródigo, generoso, fluido. Isso pra mim é divino.

ALTEREGO: Qual é a sua visão de Deus?
REIFF: Acho que a palavra Deus ficou tão estigmatizada, que na minha percepção de religião ela nem é necessária. Eu sou um cara que confio na existência. É isso. Sinto uma sofisticada trama subjacente a tudo que rola.

ALTEREGO: Então você acha que está tudo escrito?
REIFF: Sim e não. No sentido de que nada acontece por acaso, sim. Entretanto eu acredito que essas determinações acontecem no frescor de cada momento. Estamos todos criando essa trama, mesmo sem termos consciência disso.

ALTEREGO: Qual é a sua contribuição?
REIFF: Eu quero ser cada dia mais consciente e feliz. A felicidade é um efeito da consciência. Quando você começa a ser perceptivo, começa a perceber o discurso das coisas, a cada momento.
Sendo feliz, cobrarei menos das pessoas com quem convivo. Posso ter relações mais ecológicas com elas, respeitando seus movimentos. A palavra hoje é diversidade. Eu ando encantado com a diversidade. É isso que deixa a vida cheia de surpresas.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

TRABALHO EM EQUIPE

ALTEREGO: Além de escrever, você faz humor stand-up, no qual o humorista está só no palco. Você já fez humor em grupo?

REIFF: Eu gosto dessa idéia de humor grupal (risos) . Quando eu era pequeno, me encantava com o Gordo e o Magro, Os Três Patetas, os Trapalhões, I love Lucy, Tom e Jerry...Sempre gostei de escrever diálogos e pensar em situações hilariantes dos relacionamentos. Pra mim, a parte mais frustrante do stand-up é um certo individualismo. Os humoristas se aglutinam virtualmente, formando um show. Mas a história de se jogar junto é muito legal. E é difícil: fazer humor em equipe requer muito timing. É importante que os artistas estejam sintonizados. E que se curtam. Aí pode ser mágico.

ALTEREGO: Quer dizer que você não acredita num trabalho grupal onde os humoristas não se biquem?

REIFF: No Stones, o Keith Richards e o Mick Jagger não se bicam muito, mas fazem um trabalho integrado, graças a um esforço em busca do profissionalismo. Mas em termos de humor, eu acho isso muito difícil. Fazer humor é como fazer amor: você precisa estar numa sintonia, pra que a coisa fique realmente boa. Precisa respeitar cada passo do outro, para que a dança seja fluida, perfeita. Quando rola ego, ficam os dois numa viagem individual e a mágica do encontro não acontece. Acho que é a platéia se encanta é com a dança, a sintonia perfeita, porque isso toca em um arquétipo, que é a possibilidade de que somos um e que toda dualidade é ilusória. No fundo, nós sabemos disso, mas temos que ser lembrados pela arte.

ALTEREGO: Então o trabalho em equipe é mágico?

REIFF: Exatamente. Eu acho mágico o trabalho do Jogando no Quintal, que conheço desde quando éramos apenas 20 espectadores num quintal. Assim como gosto muito do trabalho de improvisação, de uma forma geral, porque acho que é uma coisa que faz mágica. Quando se está num espaço de disponibilidade, de aceitação, de leveza, qualquer parada na vida ganha esse grau de magia. Dançar com as circunstâncias é a maior sabedoria. Sábio é aquele que não se opõe. Mas que se dispõe.

ALTEREGO: Você sempre gostou de trabalhar em equipe?

REIFF: Não, eu sempre fui muito ermitão. Foi muito recentemente que eu comecei a acordar para essa coisa de trabalho em equipe. E acordar pra essa coisa de viver em relação com o outro. Os artistas pagam um preço alto por passarem muito tempo em seus planetas pessoais.

ALTEREGO: O que você tem ganhado com essa mudança?

REIFF: Muita coisa. Primeiro, porque eu atenuo a força do meu ego. É ótimo ver pessoas talentosas e gostar do trabalho delas. Dá uma espécie de alívio. Porque senão a gente fica numa paranóia de ter que mudar o mundo, contribuir e coisa e tal.
Quando a gente vê outras pessoas talentosas, a gente acha que a vida pode ser gasta de forma muito mais natural. Porque tem muita gente talentosa por aí. E o que faz nossos horizontes se alargarem é a possibilidade de experimentar todas essas outras possibilidades de vida que estão à nossa volta.